quinta-feira, 15 de março de 2012

O plágio: o veneno de um remédio

"Hoje, a cópia tornou-se viral; perdeu o forte valor negativo que ainda tinha no século XX. Estudantes copiam da Internet, jornalistas copiam dos outros media, escritores copiam livros doutrem, porque não haveriam os publicitários de se inspirar noutros conteúdos audiovisuais? [...] A sociedade hipermediatizada resolveu assim, pois, a espiral do plágio: banalizou-o, naturalizou-o e inocentou-o informalmente. O espaço público na Internet não deixa escapar o crescente assalto intertextual [...]." Eduardo Cintra Torres in http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=544579

Duas leituras possíveis deste fenómeno, leituras que não são dicotómicas. Na primeira, enfatiza-se o lado sombrio, o aspecto moral. O plágio como uma praga que assola a criação de conteúdos. Mas, por outro lado, também se sugere uma segunda leitura em que o plágio seria um sintoma de uma mudança mais profunda: a passagem de uma cultura clássica baseada no impresso e na restrição ao acesso da informação a uma nova cultura informacional em que o acesso e a produção se estão descentralizando. Uma intertextualidade em que a noção de proprietário, a noção de autor é substituída pela de intertextualidade, pela cooperação anónima em práticas concretas e colectivas (ver o caso da Wikipedia, etc.).

Segundo Pedro Andrade, Fernando Pessoa forneceu-nos, com a sua heteronímia, uma ferramenta útil para entender este fenómeno. Segundo o autor, "ainda antes de Julia Kristeva ter falado da intertextualidade, Fernando Pessoa emergiu como um dos mais notáveis percursores (aqueles que conduzem os per-cursos) da Internet, e não apenas do hipertexto. Senão vejamos: a sua personalidade múltipla e intertextual encontra hoje uma confirmação insuspeitada no Efeito Pessoa, particularmente visível no ciberespaço. O Efeito Pessoa é a capacidade, para um infonauta, de construir e viver diversas personalidades digitais através da ciber-escrita, ou escrita efectuada no ciberespaço". in Pedro Andrade, O EFEITO PESSOA E A SOCIOLOGIA DOS CONGRESSOS DIGITAIS, in http://www.triplov.com/coloquio_05/efeito_pessoa.html
Alexandre Serres sugere, inspirado em Derrida, que estamos perante um efeito "Pharmaka" em que um "remédio" pode também ser um veneno. "Comme tous les outils et technologies de l’intelligence, les outils informationnels du Web sont des « pharmaka », agissant à la fois comme des remèdes aux défis du déluge informationnel ou des infopollutions et comme des poisons, puisqu’ils peuvent aggraver également ces mêmes défis ou ces infopollutions". Alexandre Serres, UN EXEMPLE DE TRANSLITTÉRATIE : L'ÉVALUATION DE L'INFORMATION SUR INTERNET. in http://www.ina-sup.com/node/2689

Assumimos que há uma diferença relevante entre o plágio e a intertextualidade. No primeiro caso, há um facilitismo que cai no superficial e na irresponsabilidade individual. A intertextualidade, por seu lado, assume-se como uma ferramenta de criatividade, uma recreação do existente na linha do trabalho, por exemplo, de William S. Burroughs. Teríamos assim dois lados da mesma moeda, uma linha mais do que que uma dicotomia: um lado sombrio de falta de ética e um outro que indicia uma nova cultura informacional.

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